sexta-feira, 30 de novembro de 2012

#Rosas (parte II)

Eu gosto do silêncio. Da poesia da bossa nova, do vão das madrugadas, dos sonhos sem significado. Saudade é soma e subtração. É no silêncio da saudade que eu aprendo a discernir o certo e o errado, as notas que precedem o refrão.
O que esconde-se nas entrelinhas das frases feitas? Alguns versos anêmicos, nos cantos, nas paredes, na contra-mão. O subentendido suicídio das palavras, o eco contínuo da nossa mudez. A noite é sempre mais escura antes do amanhecer. Só vai, só sai. Quanto mais eu encontro, mais eu quero perder. Quanto mais eu descubro, mais eu quero esquecer. A máscara reveste o rosto, esboça o sorriso mas não acoberta o olhar. Quem poderia dizer que em pouco mais de meia duzia de bilhões de pessoas, eu iria encontrar e desencontrar você.

"Tento compor o nosso amor
Dentro da tua ausência
Toda a loucura, todo o martírio
De uma paixão imensa
Teu toca-discos, nosso retrato
Um tempo descuidado

Tudo pisado, tudo partido
Tudo no chão jogado
E em cada canto
Teu desencanto
Tua melancolia
Teu triste vulto desesperado
Ante o que eu te dizia
E logo o espanto e logo o insulto
O amor dilacerado
E logo o pranto ante a agonia
Do fato consumado

Silenciosa
Ficou a rosa
No chão despetalada
Que eu com meus dedos tentei a medo
Reconstruir do nada: 

O teu perfume, teus doces pelos   
A tua pele amada
Tudo desfeito, tudo perdido
A rosa desfolhada." - Vinicius de Moraes

domingo, 11 de novembro de 2012

#Despedida (parte II)

Os seus olhos procuram em silêncio pelas minhas palavras, e eu tentei por muito tempo decifrar as suas. Eu posso sentir a sua respiração pesada nos cantos dos meus dias, como a luz solar tímida dos dias nublados. Diálogo mudo. Você vem me visitar durante as madrugadas embriagadas, nas primeiras horas arrastadas, após diagnosticar-se com a insônia impiedosa que faz as noites demorarem um ano para passar.
N
em de longe a gente pode disfarçar, o que há por trás da pele. 
Nós somos dois pontos distintos presentes na reta infinita que cerca o horizonte. As mesmas noites que confortam, tiram-me o ar. Só deixe-me respirar, expirar você.
Dentre todas as madrugadas em que eu me perdi traduzindo meu coração, esta foi singular. Aprendi que amor rima com liberdade. Percebi também que sou como um barco em alto-mar, sem bússola ou noção de cartografia. Não sei discernir em que direção eu devo remar, e confesso que sou constantemente atraída pela contra-mão. Estes últimos dias foram sinônimo de escassez das minhas palavras. Só havia em hiatos consideráveis de tempo, a reclusão dos meus rascunhos, somados, multiplicados, que fundiam-se como produto de um carnaval sem samba, perdidos, desconexos como um risco em uma mesa de bar. Entre nós existe apenas o vazio, semelhante àquele que você deixou em mim. Mas será que no corpo de um outro alguém, meu coração pode funcionar bem, melhor? Todas as introduções, pontes e refrões, fizeram-me tomar esta última decisão. Mudez.
-
"É a mesma voz que expressa o silêncio das minhas mais altas reflexões. É a voz que acompanha os acordes errados, e poetiza cada nota que transborda significados. É a voz que escreve e compõe durante as madrugadas caladas, um pouco de mim, no branco do papel. É a voz que está perto, tão perto, a única capaz de chegar ao seu coração. É a voz pausada, nos hiatos de tempo que constroem o discurso, a nova canção. É voz guardada, que por muitas vezes te chamou calada. A minha voz."
Não mais.
-
Nas últimas horas de sexta-feira havia um sentimento que flanava entre o céu aberto, e marcava nos termômetros apenas doze graus - temperatura superior àquele frio cáustico presente em seu coração. Era uma noite atípica, fora da rotina encarcerada, que acendeu em mim uma faísca de sobriedade e razão. Não há remédio que nos faça voltar no tempo. 
Eu podia admirar São Paulo por alguns quilômetros de extensão. Os focos de luz ao longe somavam-se e subtraiam-se, como uma melodia ritmada, e em algum deles poderia estar você. Eu consigo sentir, mas não posso ver. Tenho a constante sensação que os seus olhos me acompanham, e eu tento de todas as formas, ignorar. Nas lembranças anêmicas, nas paredes, nos sonhos desprovidos de significado. Mas a verdade é que não há mais motivo para eu tentar fazer você voltar, se o que você faz é o que me faz pensar, que o que você quer, é alguém para ocupar o lugar (de quem não vai voltar). Eu também perco o sono, e ao lembrar-me de onde estava antes de acordar, prefiro não dormir outra vez. Após inúmeras noites que eu passei perdida na escuridão, finalmente compreendi: Eu tenho um milhão de estrelas só para me guiar. 
Por muito tempo tentei desvendar o sorriso esboçado, pintado na palidez do seu rosto, mas só depois de quase afogar-me em dúvidas, no fel que amarga a distância entre nós, eu desisti de tentar. Tentar encontrar, mostrar, provar, ou simplesmente estar. Não adianta acenar para olhos que não querem enxergar. O suicídio começa por dentro. Eu sinto muito. Esconde-se por vaidade, mas o vazio inexpressivo do seu olhar é incapaz de mentir. Eu sei que é por detrás destes seus olhos constantemente marejados, cegos de tanta razão irracional, que mascara-se sua maior verdade: Não está.
Então, diga. Apenas permita-se dizer e escutar. Seria diferente se você soubesse que aquela seria a última vez? Espero que algum dia alguém consiga fazer do seu coração, uma moradia. Eu vou guardar o seu último olhar, seu monólogo sem pausas.
Selei o adeus de tudo o que o nosso silêncio tinha para me dizer.

‎"E uma vez que a gente entra, vira um hábito. Parece que não vai conseguir sair. A gente quase não quer sair. E de repente sai. Completamente." - Charles Bukowski

Saí.